Será crise de meia-idade?
Por vezes, todos lemos algo em que nos revemos por completo de uma forma assustadoramente verdadeira. O texto que partilho é de um crítico literário e conhecido blogger.
« Em miúdo, achava que me reconheceria como adulto quando não tivesse medo de injecções. Hoje, já não tenho medo de injecções, mas ainda não me sinto exactamente adulto. Ainda escrevo e digo e faço coisas assumidamente não adultas. Ainda ando com a camisa desentalada das calças. Ainda me sento no chão. Ainda ouço imensa música com guitarras eléctricas. Ainda digo "raparigas" em vez de "mulheres". Ao mesmo tempo, cada vez se torna mais evidente que já não sou jovem. Aos 32, anafado e descrente, sinto uma barreira invisível entre mim e as gerações mais novas. Outras ideias, outra linguagem, outros usos. Eles são jovens e eu já não. Confesso que não sou nada entusiasta da civilização jovem, com o seu culto da imaturidade caótica e da rebeldia sem causa nem cabeça. Mas a juventude tem aspectos luminosos, que resultam do entusiasmo e da ignorância, e que hoje sei que já não tenho (ou que nunca tive).
(...) Outro dia, dei com uma cena que ao mesmo tempo me fascinou e me deprimiu: um rapaz e uma rapariga (lindíssima), ambos com vinte e poucos, que se olhavam embevecidos, entre comentários jocosos, provocações infantis, sorrisos abertos, maçãs do rosto vermelhas. Bem sei que todos os apaixonados em todas as idades são assim, mas havia naqueles dois uma comovente e única simplicidade embaraçada, sexualmente alusiva e ingénua, uma simplicidade de que já sou incapaz e que me chamou a atenção como se eu fosse um velho num jardim.
(...) Creio que tenho saudades da juventude como tenho saudades dos anos 80: não me lembro assim tão bem disso, não foi assim tão bom como isso, mas é uma mitologia conveniente e inesgotável. A minha geração anda viciada em nostalgia. Vemos em DVD uma série televisiva da nossa adolescência (Verão Azul) e ficamos todos em comunhão fungante. Uns são casados, têm filhos e são socialmente úteis, outros são tão improdutivos como eu, mas todos nos sentimos melancólicos com isso, com a mítica juventude, que nos escorre dos dedos como areia finíssima. Já dizemos "no nosso tempo". O nosso tempo é o tempo em que fomos jovens. O que significa que já não somos jovens. Que este já não é o nosso tempo. E a juventude, tal como o paraíso, parece sempre mais alta quando a perdemos.
(...) Somarei 33 anos, a célebre "idade de Cristo". É mais que tempos de receber o meu primeiro BI de adulto. De adulto que se acha jovem. De adulto que se acha velho. De homem que está na casa dos trinta como se no limbo da sua idade.»